terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A criança de dez anos: uma visão antroposófica (*)


É preciso começar dizendo que cada criança é um indivíduo, e que cada criança tem seu próprio ritmo de desenvolvimento. Entretanto, há alguns pontos em comuns a cada idade que podem ser úteis aos pais. Aqui irei destacar, entre outros, alguns dos pontos ressaltados pelo livro “Your Ten to Fourteen-Year-Old”, de Louise Bates Ames, Frances Ilg e Sidney Baker.

Uma das características marcantes das crianças de dez anos é o amor pela família e pela vida em família. Mesmo com alguns momentos em que agem de forma grosseira com os pais, a maioria das crianças desta idade realmente ama, respeita e admira os pais e as atividades e passeios em família. Também adora brincar na sua vizinhança e às vezes até se dá bem com seus irmãos (às vezes não!).

De fato, muitos pais perguntam como é a vida após a grande mudança de desenvolvimento que acontece por volta dos nove anos, o chamado “rubicão”. Acredito que uma das maiores mudanças é que, aos dez anos, a mãe mais uma vez torna-se o centro do universo. Tenho visto com os meus próprios filhos que nesta idade aumentam bastante as solicitações de sentar no colo, ser abraçados e estar perto. O pai também tem um papel importante, já que nesta idade as crianças adoram fazer atividades com ele! Por outro lado, as relações com os irmãos de seis a nove anos podem ser turbulentas.

As crianças de dez anos também amam estar com seus amigos e gostam de ter um(a) melhor amigo(a). Os meninos geralmente formam grupos maiores para brincar do que as meninas.

As crianças desta idade tendem a se mostrar mais felizes que aos nove anos, apesar de ocasionais “estouros” de raiva. A palavra “ocasional” é chave, pois os dez anos geralmente são uma idade feliz. Quando provocadas e com raiva, as crianças de dez anos podem ter uma reação imediata e violenta. Podem bater os pés, gritar ou sair do recinto. Segundo o livro citado, “Respostas meramente verbais também ocorrem, porém menos que nos anos seguintes. Apesar de verbais, as respostas são mesmo assim violentas. As crianças de dez anos gritam, guincham, chamam nomes...”.

As crianças de dez anos geralmente respeitam os professores e trabalham duro na escola. Possuem interesses variados e são muito ativas. Preferem o movimento livre do que a conformação às regras de esportes específicos. Nesta idade, coleções, montagem de modelos, costura, culinária, desenho e leitura são populares.

Com dez anos não se sabe bem o que é correto. Segundo o livro, “Um menino desta idade admitirá que nem sempre sabe o que é certo e o que é errado, então geralmente segue o que sua mãe diz. Ou então pelo que aprende na Escola Dominical, ou possivelmente pela sua própria consciência”. Por outro lado, a ideia de justiça é bastante importante.

A criança de dez anos pode choramingar ou mesmo chorar abertamente quando fica com raiva, mas é uma das últimas fases mais chorosas. Nesta idade o senso de humor não é dos melhores, tampouco as piadas.

Muitas crianças desta idade não gostam de tomar banho ou se lavar, tampouco de escovar os dentes ou pentear os cabelos. Como dito anteriormente, isso irá variar de criança para criança. Há, também, uma dificuldade de cuidar dos próprios pertences. Geralmente os quartos são bagunçados, com roupas espalhadas pelo chão (por exemplo), e ainda há a necessidade de bastante supervisão para que as rotinas diárias sejam realizadas.

Ademais, ainda não se tem muita consciência do próprio cansaço e é preciso lembrar a criança da hora de dormir. As meninas geralmente têm mais dificuldade de pegar no sono que os meninos, enquanto os meninos dormem por mais tempo.

As meninas desta idade podem mostrar sinais da puberdade. Muitas meninas, aos dez anos, já possuem informações sobre menstruação e intimidade sexual, enquanto os meninos geralmente não possuem tanto conhecimento sobre sexo. De fato, a maturidade física para se tornar um homem adulto acontece mais devagar que com as meninas.

Duas outras características marcante desta idade (e que, neste caso, podem surgir lá pelos oito anos) são o esquecimento e a inquietação. É frequente que a criança tenha dificuldade para se aquietar, se sentar, se focar. É irreal achar que uma criança nesta faixa etária poderá se sentar para ler e escrever o dia todo como um adulto.

De fato, outro problema que pode surgir é querer que a criança potencialize suas atividades acadêmicas, pois agora a criança parece bem mais maduras do que antes. É preciso tomar cuidado para não esquecer que nesta idade as crianças ainda estão no coração da infância e que a forma de pensamento racional ainda não chegou de fato. É preciso continuar a passar os assuntos de maneira mais concreta e menos abstrata.

Assim, é necessário lembrar sempre que as crianças de dez anos não são adultas e precisam de muito movimento e de muito tempo para liberar sua energia. Algumas formas de fazer isso são: passar tempo na natureza, jogos na vizinhança, esportes menos organizados e em família (tais como trilhas, patinação, esqui, natação, escalada, etc.), muitas pausas para se movimentar na escola, muitas chances para se movimentar e colocar a mão na massa (desenhar, modelar, fazer mapas, pintar, etc.).

Outro ponto importante (mas que não é muito popular entre as famílias em geral), é que a mídia e as telas devem ser limitadas nesta idade. Há muitas outras coisas que as crianças desta idade precisam experimentar na vida e sua inquietação é um sinal desta necessidade.

O esquecimento também é algo que os pais das crianças de dez anos reclamam muito (e a partir dos oito anos de forma geral). Você pode pedir para uma criança dessa idade fazer algo e ela vai esquecer em pouco tempo. Uma das formas de trabalhar isso é pelo ritmo. É útil seguir uma ordem determinada de atividades pela manhã, como levantar, tomar café, trocar de roupa, escovar os cabelos e os dentes e forrar a cama. Porém, é importante escolher uma ordem de agir que funcione para a criança. Por exemplo, se a criança acorda sempre como muita fome, leve isso em conta, pois não vai funcionar pedir que ela forre a cama antes de comer.  Outro quesito importante é decidir quais serão as consequências em relação ao esquecimento ou mesmo à “enrolação” da criança quanto às suas responsabilidades e tarefas em casa. Tais consequências não precisam seguir um determinado padrão e podem variar de família para família.

A formação de hábitos também pode ajudar quanto ao esquecimento, hábitos estes que vão ajudar a construir caráter por meio da parte prática da vida. Isso leva tempo e trabalhar tudo de uma vez só pode não funcionar.  Escolha uma área específica e foque nela por 40 dias até ser absorvido pela criança. Nesta idade pode ser algo pequeno, como lavar as mãos antes do jantar (já que, como dito anteriormente, o forte não são os atos de higiene). Ou pode ser falar com educação, visto que os pais frequentemente reclamam do tom de voz das crianças nesta faixa etária.

Por vezes é preciso um pouco de estímulo. Não na forma de “propina”, mas de incentivo mesmo. Quantas vezes você já teve um dia longo e difícil e continuou a perseverar ao pensar que a noite ia sair para um jantar especial (ou algo do gênero) e isso fez o dia se tornar um pouco mais suportável? Para mim, isso é diferente de dizer “você precisa fazer isso para receber aquilo”. É apenas um incentivo de algo de bom que irá ajudar no andamento do dia. Não posso lhe dizer com que frequência oferecer um incentivo ou que tipo de incentivo deve ser, isso varia de família para família.

Em suma, os dez anos são especiais, mas ao mesmo tempo podem ser desafiadores para os pais. É preciso amor, ritmo e um pouco de paciência!


(*) Traduzido e adaptado livremente de dois textos de Carrie Dentley. Os textos originais encontram-se nos seguintes endereços: http://theparentingpassageway.com/2011/09/25/the-terrific-ten-year-old-a-developmental-view/ e http://theparentingpassageway.com/2011/05/22/restlessness-and-forgetfulness-in-the-8-10-year-old/.  Carrie Dentley é formada em jornalismo e fisioterapia, é consultora de lactação licenciada e especialista em desenvolvimento neonatal e fisioterapia pediátrica. Também cursou a formação básica em pedagogia Waldorf. É mãe de três filhos e atualmente se dedica integralmente à sua educação.